Farol das Ideias

Há algumas semanas atrás saí em uma viagem solitária à bordo do meu jipe com a parceria, apenas, da minha velha guitarra Hofner semi acústica e meus pensamentos.

O objetivo de contornar a Lagoa dos Patos, ao longo de 4 dias, tinha pouco sentido prático e servia, apenas, como pano de fundo para questões mais introspectivas que trazia na bagagem.

As paisagens serenas e bucólicas de São Lourenço do Sul, Praia do Laranjal, São José do Norte, Tavares e Mostardas serviram de cenário para a minha busca.

A travessia de balsa, entre Rio Grande e São José do Norte, trouxe à memória um longínquo show que fiz, ainda no tempo do TNT, em SJN, e que lembro ter achado que aquele lugar deveria ser um dos mais isolados do mundo! Tão perto e tão longe! Lá se foram tantos anos e saí de lá com uma impressão muito diferente.

Em determinado momento da viagem, visualizei a possibilidade de visitar alguns dos faróis existentes na nossa costa, tanto doce quando salgada! Tracei meu rumo pela BR101, antiga estrada do inferno, até uma entrada para a praia, que cruza a Lagoa do Peixe e chega na beira da praia – Talhamar.

Antes, porém, de chegar na praia, tentei visitar o Farol Capão da Marca, mas o alagadiço que o cercava não me permitiu chegar a menos de 500 metros! Lembrem que eu estava sozinho e ficar atolado significaria o fim da minha expedição! Fiz uma foto distante e segui meu rumo…

Voltei à estrada e rumei norte para, depois de uma noite em Tavares, sair cedo e chegar na beira da praia. A péssima sinalização, prá não dizer inexistente, não impediu que eu encontrasse o acesso. Era cerca de 14 km, da BR101 até as dunas. Estava preparado para uma estrada lamacenta e com um pouco de água… mas o que encontrei foi muito diferente! Depois de rodar uns 3 ou 4 km, sob um nevoeiro denso e muita lama, vi a estrada entrar debaixo d’água, ficando demarcada, apenas, por uma cerca que corria paralela, nevoeiro adentro, até onde a vista alcançasse. Fiz uma foto e engatei a primeira marcha pensando que um pouco mais à frente essa “poça” daria lugar à estrada novamente. Bem, isso não aconteceu! Os 10 kms seguintes foram feitos em primeira marcha com cerca de 1 metro de água. O nevoeiro dava uma textura onírica àquela travessia. Era importante manter o foco e a calma.

Segui assim até o momento em que um pontilhão apareceu fora da linha da cerca. Ou seja, a cerca seguia reta e o pontilhão estava à minha direita, à 45°.

Deveria seguir a cerca ou o pontilhão?

Naquele momento não pareceu uma pergunta tão óbvia quanto parece agora! Mas, com calma, segui até o pontilhão e parei na cabeceira. Do outro lado, havia apenas uma coisa: água! A referência da cerca que havia me acompanhado nos últimos 10 km desaparecera e, simplesmente, restara eu, o jipe, o pontilhão e um tapete interminável de água!

Desci do jipe e fiquei cerca de uma hora observando o local, tentando adivinhar se, depois de cruzar o pontilhão, a estrada estaria ali ou teria sido levada pela água! Cruzei a pé e, por alguns instantes, quando o nevoeiro ficava menos denso, parecia enxergar o começo dos cômoros, a uns 100 metros. Fazia sentido! Devagar, cruzei com o jipe e parei na outra cabeceira do pontilhão. Desci, observei novamente, fiz uma ligação para uma pessoa do hotel onde eu havia dormido em Tavares para tentar uma dica, e segui, devagar e com cuidado, até que, depois de andar pelo caminho de água por uns 50 ou 60 metros, vi a areia surgir mais à frente. Não olhei pra trás e segui, sem parar, por mais uns 2 km até chegar, finalmente, à beira da praia! Foi emocionante! Estacionei no meio do nada e olhei ao redor. Fiquei feliz em estar num lugar tão desolado e sem ninguém. Apesar do desgaste psicológico da travessia da Lagoa do Peixe, podia sentir a energia daquele lugar recarregando minhas baterias!

Rumei pro norte, pela praia, na direção do Farol de Mostardas e lá descobri algo muito bonito e simples. Algo que me inspirou e deu o sentido, que estava perdido, à minha expedição. O Farol, com todos seus símbolos, iluminou minhas idéias, enriqueceu minha perspectiva e fortaleceu minhas convicções. O faroleiro fez uma foto minha, que é essa que vocês podem ver aqui, e segui meu caminho, sem passar pelo Farol da Solidão, pois não era o que eu buscava.

Farol de Mostardas

Talvez eu nunca mais volte a estes lugares, talvez eu nunca mais suba os 164 degraus do Farol de Mostardas, talvez eu nunca mais encontre focas e pingüins pelo caminho. Mas esta aventura já está feita e é mais uma das histórias que eu tenho pra contar!

Um beijo!

nvs