Lado Preferido

Lado Preferido

Falando com um amigo, comentei algo sobre o lado preferido da calçada. Tava explicando pra ele que tenho o hábito de andar sempre do mesmo lado da rua, na mesma calçada. Ele deu risada!

Depois da conversa, segui pensando sobre esse assunto…

Me dei conta que não só ando no mesmo lado da rua, como atravesso sempre no mesmo ponto do trajeto, praticamente, pisando sobre os passos que deixei da última vez que passei por ali. Coisa louca não? Você também é assim??

Claro que essa loucura não se estanca por aqui, como diria Nico Nicolaiewsky, travestido no seu personagem do Tangos e Tragédias. Ela segue em muitos outros pontos fundamentais do nosso cotidiano, como, por exemplo: o lado da cama em que deitamos, o lado da mesa que sentamos, do sofá, do ônibus e do palco!!! Sim, do palco! Já notaram como as bandas têm o hábito de manter a formação sempre igual?!

Será apego? Segurança? Fragilidade? Ou simplesmente loucura!?
O que passa na nossa cabeça pra que tenhamos um lado preferido, um lugar preferido, um caminho preferido?

Penso que tudo isso pode ser mero acaso, também. Afinal de contas, são apenas 2 lados! As possibilidades mostram que as chances são de 50% pra cada um!!!…rsrsrss….Mas o que que é isso?! Tá virando matemática, estatística?! Só se for matemalunática!! …esqueçam!

Na realidade, vejo que tem alguma força ou tendência que nos faz deitar num lado da cama e, como se não bastasse, virados pra um dos lados, quase sempre o mesmo. Alguém sabe por que? Se souberem, por favor, me avisem, pois quero me virar e não consigo!

Será que os animais também são assim? Os cães sempre deitam pro mesmo lado? A lua parece que mostra sempre o mesmo lado, não? Será que ela também tem o seu lado preferido?

Será que tudo isso acontece por causa da gravidade? Será que ela puxa mais pra direita do que pra esquerda? Será que no hemisfério sul puxa mais pra direita e no norte pra esquerda? Ou será que não existe esquerda e direita e o lado – enquanto substantivo – é apenas uma invenção do homem, como o tempo?!
…não sei o que pensar à respeito disso… mas me parece uma constatação real, quase palpável, como a que o relógio faz da passagem do tempo – que o homem inventou! Apesar disso, acho que não há conclusões para tirar, apenas mais perguntas. Que horas são?

Bjs,
Nvs

Tarde de Verão

Tarde de Verão

Faz dois dias que chove aqui na praia. A temperatura caiu e o conforto térmico se instalou. O vento e o friozinho levam à introspecção, que sempre é bem vinda pra mim.
Como a praia fica a uns 10 metros da casa, resolvi pegar uma cadeira e um guarda chuva e ir sentar debaixo da amendoeira que faz sombra até a areia. Fiquei ali, sentado, com o guarda chuva aberto sobre mim. Fiquei parado olhando, observando, vendo e escutando.
Devo ter ficado assim por pouco mais de uma hora e meia… não sei direito, pois o sol não estava ali pra me orientar.

O som da chuva fez o fundo insistentemente criativo e sem se repetir, apesar de ser apenas som de chuva caindo. Mas era som de chuva caindo na grama, na areia, nas folhas da árvore, no mar, no guarda chuva, no telhado. A intensidade da chuva variava e fazia do gotejar uma orquestra sutil e delicada que mostrava as diferentes camadas do seu canto como um prisma audível.

Fazendo a trilha visual estava o horizonte delineado pelos montes de Florianópolis, de Ponta das Canas até Daniela, que hora se escondiam, hora se mostravam, conforme as cortinas da chuva bailavam rumo ao norte.

A minha pele sentia a brisa fria soprar ares de outros lugares, de outras estações que chegarão só em alguns meses. Ainda assim, o arrepio passageiro era agradável, pois contrastava à memória ainda viva dos dias escaldantes que há pouco reinavam impunemente.

Mas quem mais se deleitou com aqueles minutos vividos passivamente foi minha cabeça! Ela deixou o corpo imóvel, absorto nas sensações fora de tempo, e se mandou para o meio de um turbilhão de divagações que regeram os neurônios num estado sublime de velocidades inimagináveis! A torrente efervescente que corria era calma e inquita, num paradoxo difícil de descrever, típico das vivencias que não podem ser descritas nas palavras, apenas traduzidas pelos sentidos.

Sem saber direito se tinha feito alguma coisa ou não, durante aquele tempo, naquela tarde chuvosa, tive a sensação que tinha passado a melhor tarde de verão das minhas férias.
Foi uma experiência que sinalizou – como bom presságio – um ano letivo que, pra mim, inicia-se daqui a alguns dias.
A sensação que restou foi de reencontro com o caminho, alinhamento com o norte, foco no propósito e olho no fim.
Bjs,
nvs

A Perda

A Perda

- Esse passarinho era diferente, praticamente membro da família. Espero que ele tenha tido uma vida muito feliz!

Com essas palavras, ditas enquanto as lágrimas corriam pelo rosto, que Theo expressou o drama que se desenrolou durante o dia de hoje.

O dia amanheceu nublado e com cara de cansado. Eu levantei e caminhei até a varanda pra ver o que acontecia na praia e me espreguiçar. Quando cheguei na porta do quarto, vi que um passarinho estava na grama, debaixo da pitangueira, mas minha visão estava um pouco embaçada, pois depois dos 40 os olhos precisam de um tempo pra focar! Parecia, na realidade, que eram 2 passarinhos entrelaçados, mas, à medida que o olhar entrava no foco, vi que era apenas um com as asas abertas, como se fosse um esboço, em planta baixa, da cidade de Brasília.
Logo voltei pra dentro da casa e chamei o Theo, com o pretexto perfeito pra tirá-lo da cama:

- Theo, acorda, pois tem um passarinho caído na grama e acho que ele precisa de ajuda!

Theo levantou com a cara amassada e disse que já tava indo…

Depois de alguns minutos chegou junto de mim e olhou o passarinho e perguntou o que ele tinha. Eu disse que achava que ele estava machucado e precisava de cuidados.
Combinamos que eu tentaria pegá-lo pra ver o que ele poderia ter. Peguei uma caixa e me aproximei com cuidado pra não assustar o bichano. Consegui de primeira, apesar da tentativa de fuga.

Levamos o passarinho pra varanda e tratamos de pegar uma pitanga pra colocar dentro da caixa: ele podia estar com fome! Depois, pegamos uma conchinha de praia e colocamos um pouquinho de água pro caso dele ter sede. Tudo pareceu estar bem. O passarinho se acalmou e o Theo levou ele pra dentro de casa, instalando a caixinha sobre a sua cama, onde podia deitar-se e ficar observando o animalzinho convalescendo.

Toda manhã passou assim, com o passarinho no centro das atenções. Uma nova pitanga foi colocada dentro da caixa pro caso de uma só não ser o suficiente! Não levamos em consideração o fato da primeira pitanga nem ter sido tocada pelo bico longo do nosso novo amiguinho! Queríamos ter certeza de que nada faltaria num momento como aquele.

Theo almoçou rápido e nem quis ir à praia – que fica a uns 10 metros da casa – só pra ficar cuidando do animalzinho enfermo. Mas, no começo da tarde, tínhamos que sair e ir até uma cidade perto da praia onde estamos pra fazer uma encomenda e, durante todo o tempo, Theo estava com pressa de voltar – estava angustiado de ter deixado o novo amiguinho sozinho. Ele estava doente e inspirava cuidados!

Depois de umas 2 horas chegamos de volta em casa e tive que sair de novo, sem descer. Mas, enquanto manobrava o carro, ouvi um choro de lamento e imaginei o que tinha acontecido…
Quando voltei Theo veio me encontrar na rua, com lágrimas no rosto, dizendo que o passarinho tinha morrido. Que estava triste com isso e que o passarinho era especial… a tristeza se instalou!

Por sorte, pouco tempo depois, alguns vizinhos vieram nos visitar, animando um pouco o ambiente e mudando o foco da conversa – o que aliviou o clima de tristeza. As coisas ficaram mais leves e voltaram à normalidade até a noite chegar.

Fechamos a casa e fomos pro quarto. Depois de todos estarem deitados, com as luzes semi apagadas, Theo surgiu na porta do nosso quarto com os olhos mareados e um semblante tristonho. Disse que não estava conseguindo dormir e ficou por ali. Subiu na cama e se deitou, no mesmo momento que as lágrimas começaram a correr…
Entre soluços, disse:

- Esse passarinho era diferente, praticamente membro da família. Espero que ele tenha tido uma vida muito feliz!

Foi a perda mais importante deste verão…

Bjs,
nvs

Quando os Homens Choram

Quando os Homens Choram

Quando se olha ao longe, para deixar o pensamento se perder e deixar o corpo se revitalizar, se encontra alguns momentos efêmeros de paz de espírito.
Isso só é possível quando foco está longe, deixando de lado o entorno e passando por cima do que rodeia o corpo.

Quando o inverso ocorre e o foco muda para perto, como numa lente de óculos bifocal, a proporção do entorno se faz presente de forma ubíqua, fazendo-se prevalecer sobre o todo, sobre a perspectiva e sobre a escala de valores correta.

Não há desvios, por isso, nesses momentos, os homens choram.

Choram porque vêem o que fazem.

Choram porque, ainda que de uma forma perniciosa com sua própria condição, seguem rumo à inexorável autodestruição.

Isso acontece sem a sensação exata e consciente desse rumo, mas, inequivocadamente, se dá, assim, pela escolha voluntária.

A fé burra e cega fornece a esperança dos que acendem o pavio da dinamite e acreditam que o ser divino salvará a parte intangível do ser esfacelada pelo bum. A fé incrédula fornece a enganação para demonstrar aos outros que não se é um desgarrado – paradoxo pleno. A incredulidade na fé dá o desespero da consciência e a certeza do destino traçado pelas escolhas coletivas.

Não há o que fazer.

Ainda, assim, a vida segue seu rumo, sem concessões, sem alarde.
Os homens não têm escolha e seguem através do brete que construíram, através das fantasias que inventaram, por entre as mentiras que convencionaram, por entre os passatempos que criaram e os axiomas que se tornaram verdades.

Não há mais o que fazer a não ser chorar, como os homens choram, sabendo que se pode desviar de muitas balas, mas não de todas. No fim, chegará o fim. Então, como acreditamos todos, um novo começo surgirá, até que o ciclo da natureza, por capricho próprio, busque um novo espiral que inspire um novo fim, um novo começo.

Bjs e bom final de semana,
nvs