Jabá
Acho que a maioria de vocês, senão todos, já ouviram falar sobre o jabá, que nada mais é do que uma forma de corrupção. Mas é uma forma de corrupção um pouco diferente, porque se passa no meio musical e, por isso, tem suas particularidades. Na verdade, não no meio musical, mas no meio que erradia a música pras pessoas: a rádio.
Ao longo dos muitos anos que estou no meio, já ouvi centenas de histórias, principalmente de fatos que aconteceram no centro do país. Tínhamos aqui no sul certo orgulho de sermos diferentes e mais íntegros, no que diz respeito às relações profissionais no meio musical, do que no resto do Brasil. Não estou querendo ser bairrista, não! Tratava-se de constatação prática do que acontecia, pois, aqui, a prática do jabá era inconsistente!
Mas essa constatação faz parte do passado, já há algum tempo. O romantismo não tem mais vez, a não ser àqueles que ainda não tiveram que enfrentar situações em que sua música tem que pagar pra tocar nas rádios. O Lobão cansou de bater nessa tecla, ainda que de forma solitária e romanesca, e resolveu deixar pra lá esse assunto e apenas cuidar do seu trabalho, já que a retaliação, por parte das rádios, foi pesada – causando um dano importante à carreira dele!
Sempre procurei me manter a certa distância desse tipo de arranjo, mas, por ocasião do lançamento do Mundo Perfeito, resolvi ir a campo e fazer um contato direto com um programador da rádio de maior audiência, do segmento jovem, aqui de Porto Alegre, na esperança de que, por méritos das músicas, meu novo disco tocasse com mais freqüência naquela rádio. Conheço esse programador há muitos anos e, apesar do talento que tem como radialista, ele comprometeu seus méritos pela pequenez de sua visão e pela grandeza da sua ganância!
Vou contar como foi esse encontro que aconteceu no final de 2007.
Cheguei ao prédio da emissora sem avisar e logo fui entrando pela redação até chegar ao fundo, onde fica a sala desse programador. Os vidros da sala dele eram um pouco espelhados e, como a luz interna estava desligada, parecia estar vazia. Mesmo assim me aproximei e abri a porta, sem bater. Encontrei lá dentro esse programador enterrado na sua cadeira, na frente do computador e com um olhar que espreitava na minha direção e que dizia: putz, descobriu meu esconderijo! Essa cena durou uma fração de segundo, mas disse muito e me preparou pra conversa que aconteceria!
Entrei sem cerimônia e ele abriu um sorriso amigável, desfazendo a verdadeira face, agora ocultada pelo sorriso. Disse a ele que a razão de ter ido até lá era apresentar meu novo cd. Então, começamos a falar sobre algumas amenidades e também sobre filhos!
Depois de algum tempo de conversa, enveredei pro assunto que me levara até lá. Disse a ele que conhecia bem a prática corrente do jabá e que achava que aquilo tudo estava estabelecido e que pouco adiantaria eu ficar ali fazendo panfletagem sobre a ética e o valor de uma boa canção. Nessa altura da conversa, ele abriu um sorriso e soltou uma frase mais ou menos assim:
- É, fala a verdade, com um azeitezinho as coisas andam mais fáceis, não é?!
Respondi que sim, buscando desviar a conversa para a música em si e não pra uma negociação de quanto ele cobraria pra tocar minhas músicas. Mesmo porque eu não estava disposto a colocar nenhum “azeitezinho” na engrenagem mentecapta que ele tinha se transformado!
Busquei valorizar o cargo que ele exercia, tocando na sua vaidade e dizendo a ele que tinha feito uma coisa que não tinha o hábito de fazer, que era justamente estar ali pra falar das músicas com ele e escolhermos uma, entre as 21 do cd, pra tocar na rádio. Ele me entendeu mal e achou que eu estava ali dando uma de coitadinho implorando a ele, pelo amor de deus, que tocasse minha música e pousou de magnânimo, dizendo:
-Pô, Nei, tu não precisa te rebaixar assim. Tu tens o teu valor!
Senti que a pessoa que eu conhecia há anos não existia mais e que algo paranóico, barato, sem caráter e que tinha esquecido que a rádio existe porque existe música, e não o contrário, tinha tomado o seu lugar. Fiquei embasbacado e entendi porque, hoje em dia, nessa rádio só toca lixo! Lixo que paga entre 3 e 20 mil pra que toque uma música durante 15 dias ou até quando ele achar que já “valeu o toco”!
Foi triste constatar que a prática do jabá está tão simbioticamente ligada aos programadores das grandes rádios comerciais. Essa tristeza só é aplacada pela consciência de que, essas mesmas rádios, no formato que hoje conhecemos, estão fadadas a uma morte impiedosa devido ao advento da internet; que seus programadores amargarão o desprezo dos que fazem música e terão que esconder dos seus filhos a vergonha que é ser um corrupto que tira o espaço das músicas feitas com verdade em favor daquela que, simplesmente, traz alguns trocados pra ele gastar em cocaína!
Lamentável.
Felizmente, hoje não precisamos mais tanto de rádios convencionais. Vocês podem destacar o player que tem no meu site ( www.neivansoria.com/perfeito/ouvir_cd1.php ) e escutar minhas músicas navegando pela internet. E assim é nos sites de outros artistas também!
Ainda sou romântico, pois acredito que uma boa canção pode mudar o mundo!
Bjs,
nvs